segunda-feira, 9 de fevereiro de 2004

Ninguém É Perfeito
Por EDUARDO PRADO COELHO
«Público» de hoje

No final do jogo Sporting-Porto, quando José Mourinho apareceu para comentar a partida, esperava que ele começasse por dizer que tinha acabado de assistir a um excelente espectáculo. Nada disso. Assistimos a um homem completamente transtornado, manifestamente fora de si, no limite do ridículo ("Sr. Pinto de Costa, deixe-me ir para Inglaterra, lá sou o filho do rei"), empolgado por uma violência verbal que parecia sem limites. É caso para dizer que Mourinho tem um mau empatar, na medida em que objectivamente o resultado tinha sido favorável para o Futebol Clube do Porto.

É claro que não sei se rasgou a camisola e desejou que Rui Jorge tivesse morrido no campo. Mas bastou o que vi: e via-se que era um homem capaz de tudo. O que permitiu a Fernando Santos, de terço no bolso, fazer o papel da caridade cristã, compreender, perdoar e mandá-lo para casa com uma penitência leve: "Só aquilo de dizer que o comportamento de Liedson era uma palhaçada, entrando no campo expressamente para tal efeito é que parecia algo condenável."

Não nego os méritos de José Mourinho como treinador, e ainda não perdi a esperança de o ver encetar uma carreira política, dessas puras e duras, que pretendem regenerar a sociedade. Mas confesso que a personagem sempre me pareceu detestável. Na lista dos meus cognomes, Mourinho tem muito a ver com uma personagem do filme "O Samurai", de Jean-Pierre Melville, que era um assassino profissional, solitário e taciturno, para quem a forma do crime se tinha transformado na única razão de ser da sua vida. José Mourinho faz parte desses seres inquietantes que poderiam assumir a máxima da Liga Hanseática: "Navegar é preciso, viver não é preciso."

Há um segundo ponto em José Mourinho que me provoca considerável repulsa: a ausência total de sentido de humor. A função do riso é profundamente humanizadora. Sempre que está ausente ficamos de pé atrás. "Desconfiai dos mestres que não riem de tudo, incluindo deles próprios", dizia Nietzsche. Colocado perante a questão de saber se rasgou ou não a camisola de Rui Jorge, José Mourinho faz a enumeração dos títulos que teve na época transacta, como se os títulos justificassem tudo.

O resultado está à vista. José Mourinho foi agora surpreendido naquelas curvas e contracurvas em que o sistema mediático é fértil. Depois da idolatria, a demolição. Aposto que, com a ajuda de Pinto da Costa, Mourinho se vai convencer de que o mundo é feito de gente corrupta e que ele veio à Terra para redimir as diversas figurações do Mal. Poderá mesmo associar-se ao juiz Rui Teixeira, que tem um perfil psicológico semelhante.

Felizmente a vida é feita de pessoas normais, que riem e choram, sabendo que são frágeis e dignas de compaixão. Mesmo que não ganhem campeonatos, também não ficam em estado de cólera vermelha (perdão, azul e branca...) com um empate. Nem pertencem à família do "taxi driver".

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