sábado, 10 de abril de 2004

Sonho numa noite de Páscoa

«CRISTO ESTÁ NA MODA»

Quando Jesus Cristo passou a ver o seu nome nos cartazes dos cinemas e nas capas dos discos, a sua ambição de Artista começou a não ter limites.
Devia ir mais longe! – Limitar-se ao cinema e à canção, restringia os seus dons incomensuráveis. Sonhava agora com o teatro de revista, num daqueles palcos em que o público está habituado a assistir a grandes espectáculos. Só aí, Ele poderia demonstrar toda a gama dos seus recursos. Um projecto louco começou a germinar-lhe no cérebro...

Com todos os artistas em cena, assistia-se à apoteose final. Uma forma humana começou então a surgir junto da orquestra, vindo materializar-se em pleno palco. Com longas barbas e cabelos longos, tinha um aspecto hippy (mas imaculadamente limpo).
Foi o maestro o primeiro a ver o que se passava:
- Cristo acaba de ressuscitar! Gritou, deixando cair a batuta.
Os espectadores, que tinham julgado tratar-se de um mero truque da revista, não conseguiam articular palavra:
- Porquê no Parque Mayer? – Parecia ser a pergunta que lhes aflorava aos lábios. Entretanto já Jesus Cristo tinha tomado a palavra, virado para as coristas.
- Em verdade vos digo que ressuscito neste local para vestir aquelas que estão nuas. (e multiplicou as plumas que as cobriam...).
Assistiu-se seguidamente à cura da vedeta principal, ligeiramente rouca durante o espectáculo, e a uma marcha sobre as águas, num aquário gigante... Todos estes prodígios foram realizados sem qualquer truque. As ovações foram tais que, minutos depois, Jesus Cristo assinava um fabuloso contrato.
Seguiram-se quarenta dias de repetidos triunfos. No dia da Ascensão, porém, Jesus Cristo anunciou aos espectadores:
- Hoje, excepcionalmente, vou elevar-me ao Céu perante vós! E começou a subir, a subir... Continuava a não haver qualquer truque... Uma facilidade, uma leveza... Sentia-se que era tudo natural.
Assim que o seu herói de tantas sessões desapareceu, o público, até então mudo, rompeu em aplausos:
- Bis! Bis!
Mas Jesus Cristo não voltava. Nos bastidores, o empresário suplicava de joelhos, olhando para o ar:
- Volta meu Deus! É o público que Te pede. Pensando apenas no seu espectáculo, o empresário esquecera-se que a Ascensão é qualquer coisa de irreversível e que, naquele momento, já Jesus Cristo estava no Céu, sentado à direita de Deus Pai, e impossibilitado de voltar antes da noite de Natal.
Descontentes, os espectadores começaram a abandonar a sala de espectáculos...
- Nem veio agradecer os aplausos... Podia ter mais respeito por nós! Diziam eles.

Como rescaldo do incidente, o empresário apresentou queixa judicial contra Jesus Cristo por não cumprimento do contrato, coisa que – aliás – acontece frequentemente no mundo do espectáculo.

*******************************
NBO autor, respeita todas as Religiões (embora não acreditando em nenhuma). Este trabalho valerá portanto e apenas como ficção, e nunca (de modo algum) como crítica ou desrespeito seja por quem for. Uma nota que se impunha.

Sem comentários:

Arquivo do blogue

Acerca de mim

A minha foto
- Lisboa, Portugal
Aposentado da Aviação Comercial, gosto de escrever nas horas livres que - agora - são muitas mais...