terça-feira, 17 de agosto de 2004

AS ONDAS DO MEU MAR (quadras)


As ondas deste meu mar
Sejam calmas ou revoltas
Morrem na praia ao beijar
As pegadas das gaivotas


P’las ondas deste meu mar
Com o horizonte ao fundo
Portugal ao navegar
Deu vários mundos ao Mundo (a)

As ondas deste meu mar
Por vezes vão trazer dores
Vão e voltam sem parar
Embalando os pescadores


Porque estou farto do mundo
Meus versos vou atirar
Para um abismo bem fundo
Nas ondas deste meu mar


(a) - Menção Honrosa nos 34ºs Jogos Florais Internacionais de Nossa Senhora do Carmo – 2004 (Fuzeta)



FILOMENA – A SENHORA DAS ONDAS (conto)


A notícia correu célere por todo o bairro dos pescadores. O barco do Mestre Onofre não voltara da faina. Tinha naufragado. Segundo testemunhos de outros pescadores, tinha havido um grande temporal durante a madrugada com vagas medonhas. Alertadas as autoridades marítimas, em breve começavam as buscas, também com a ajuda dum avião da Força Aérea. Foi este mesmo avião que, após longos minutos de sobrevoo da zona, avistou o que deveriam ser os destroços. Os barcos que se dirigiram para o local confirmaram que os destroços pertenciam ao «Támar». Os coletes salva-vidas tinham-se soltado da embarcação e pairavam por perto, o que era mau sinal pois significava que não tinham sido utilizados. Das vítimas nem um sinal, mas já ninguém duvidava que tinham perecido. Todos eram casados. As famílias começaram o seu luto, esperando que a todo o momento aparecessem os corpos.
A cena repetia-se todos os Invernos. Os homens estavam conscientes que arriscavam a vida cada vez que se faziam ao mar. As mulheres sabiam que, mais tarde ou mais cedo, sentiriam a dor de perder entes muito queridos. Era uma espada de Dâmocles sobre as suas cabeças.
Passados poucos dias começaram a aparecer os corpos. Alguns deram à costa, outros apareceram a boiar. Só o do Joaquim não apareceu. Filomena – a sua mulher – desesperou e chorou tanto que as lágrimas se lhe secaram. Alguns parentes, e a vizinhança de um modo geral, providenciavam o seu sustento. A pobre passava os dias, sentada na praia, perscrutando o horizonte. Só quando a maré enchia e a água lhe chegava aos pés é que Filomena se levantava e dirigia para casa. Vivia ao ritmo das marés. Sempre vestida de negro. Agradecendo timidamente a comida que lhe davam e quase pedindo desculpa da sua triste condição. Ela não conseguia aceitar a morte do seu «Jaquim», pois a única imagem que dele guardava estava bem gravada na sua memória. E ele estava ainda vivo. Despedira-se dela com um longo beijo, um até logo, um acenar de mão ao virar da esquina.
Filomena definhava dia após dia. Da moçoila robusta de quase trinta anos pouco restava. Parecia uma velhinha, sempre triste, vestida sempre de luto e a falar sozinha (ou estaria a rezar?).

Num dia do Inverno seguinte, estava a fazer quase um ano do naufrágio, Filomena como de costume dirigiu-se para a praia. Várias pessoas a viram passar e ficaram a olhá-la até à sua figura se desvanecer no nevoeiro.
Não mais a viram. Alguém disse que ela contrariamente ao habitual não se sentara na areia. Continuara a andar, lentamente, mar dentro. Outros acrescentaram que as ondas se tinham acalmado e que ela teria continuado a andar sobre a água. Outros diziam que ela parecia deslizar sobre o mar com a leveza duma bailarina.
Nunca se soube ao certo o que aconteceu a Filomena, mas o povo acreditou que teria sido algo de invulgar.
Mais tarde encontraram em Casa de Filomena um papel amarrotado e amarelecido, com uma oração. Ninguém soube explicar como lhe teria chegado às mãos.
Rezava assim: «Odoiá, Odoiá, Iemanjá – rainha das ondas, sereia do mar. Como é belo seu canto, senhora! Abra meus caminhos no amor e cuide de mim. Que as águas sagradas do oceano lavem minha alma e meu ser. Sou suas águas, suas ondas, e a senhora cuida dos meus caminhos. Iemanjá, em seu poder eu confio. Axé! Rainha das ondas, sereia do mar. Como é lindo o canto de Iemanjá. Faz até o pescador chorar. Quem ouvir a mãe-d’água cantar vai com ela paro o fundo do mar. Iemanjá! Iemanjá é rainha das ondas, sereia do mar.».

Passaram muitos anos desde que ocorreram os factos descritos. Hoje, tenha sido tudo realidade ou seja lenda, a verdade é que os pescadores, antes de irem para a faina do mar, rezam a Filomena, lendo em surdina a oração que encontraram em sua casa e que circula agora de mão em mão. Acrescentam no fim: «Senhora das Ondas, roga por nós Pescadores, agora e na hora da nossa morte».


NB: - Menção Honrosa nos 34ºs Jogos Florais Internacionais de Nossa Senhora do Carmo – 2004 (Fuzeta)



CARINHO (quadras)

Quando a saúde faltar
Ou eu for muito velhinho
Queria para me acompanhar
Compreensão e carinho


Homem, planta, animal
Jovem, adulto, velhinho
Todos se sentirão mal
Não recebendo carinho


Quando o poeta morrer
Cala-se a voz de mansinho
E nem pareceu sofrer
Pela ausência de carinho


Acabemos com as guerras
Digamos não ao terror
E transformemos a Terra
Com carinho e muito amor


Pedra ou lava vulcânica
Um cacto ou rosmaninho
Coisa inerte ou mecânica
Tudo quer muito carinho


-------------------------------------------------------------------

O carinho é precioso,
Na vida de cada ser.
É mais que um bem valioso,
Que dá força p’ra vencer
.
Leolinda Trindade 


CARINHO (décimas)

1
Deixem nascer o menino
Cortem o umbilical
Pois isso será sinal
Para o ser pequenino
Poder traçar seu destino,
Futuro será ditoso
O bebé será formoso
Mas p’ra que possa crescer
Todos o devem saber
O carinho é precioso 
2
De todos os sentimentos
Será um dos principais,
Carinho nunca é demais
Dar em todos os momentos
Para evitar tormentos,
Todos devemos saber
E sem nunca esquecer
Que carinho é alimento
E ajuda o crescimento
Na vida de cada ser. 
3
Todo aquele que vai nascer
Tem direito à felicidade
Desde a mais tenra idade,
E p’ra na vida vencer
Tem carinho a receber,
No seu futuro amoroso
Ele será sempre bondoso,
Em todo e qualquer momento
Mostrará que o sentimento
É mais que um bem valioso.  
4
O carinho e o amor
São coisas fundamentais,
Para todos os mortais
Serão a luz e a cor
P’ra minorar qualquer dor,
Vontade de combater
Desejo de bem-fazer
De ajudar o vizinho
É o natural caminho
Que dá força para vencer. 

NB: - Menção Honrosa nos XIII Jogos Florais da ARPIE (Associação de Reformados, Pensionistas e Idosos de Évora)



AGUARDANDO O FIM DA CAMINHADA (mini-conto)


«Nasci algures numa casa solarenga do Norte. Tive uma infância feliz. Os meus pais, os meus avós e todos os familiares me acarinhavam. Tinha um quarto cheio de brinquedos. Nunca senti a falta de nada. Estive num bom jardim-de-infância, frequentei uma boa escola e completei o curso do Liceu. Tive boas notas e, assim, pude entrar na Universidade e seguir o curso que sempre desejei: Medicina. Quis ser médico».

Estes seriam os ingredientes para uma história inteiramente feliz. Se fosse verdade. Mas não. Comigo tudo se passou de modo diferente. Nasci e fui abandonado, tive uma infância curta e não vivi nem com os pais nem com os avós. Foram nulos os contactos com a família, visto que não a conhecia, os brinquedos contei-os pelos dedos duma só mão, senti necessidades de vária ordem, não completei nenhum curso convencional, não estive em nenhuma Faculdade.
Nunca soube quem foram os meus pais. Fui criado numa Instituição, onde recebi o carinho possível, mas diferente daquele que se recebe da família.
Aprendi um ofício, entrei no mercado do trabalho, pratiquei desporto e namorei. Casei e tive filhos.
Hoje, passadas várias décadas, sou avô de netos já adultos, depois de recriar um ambiente familiar, onde o carinho e o respeito foram a norma.

João Pedro, com olhar distante, pensa no que tem sido a sua vida.
Agora, por decisão própria, encontra-se num Lar para idosos. Enviuvara. Um acidente vascular deixara-o meio paralisado. Não quis ser um peso para os filhos, até porque eles também tinham filhos, casas pequenas e preocupações de sobra. Ajudavam-no no pagamento do lar – que era óptimo – e que, doutro modo, não estaria ao alcance da sua bolsa. Visitavam-no assiduamente. Todos, incluindo os netos. Arranjaram mesmo um horário para se revezarem, de modo a que ele se sentisse acompanhado quase diariamente. Nos dias de aniversário de cada um, vinham-no buscar.
Agora, sente-se velho e doente. Colhe, no entanto, os frutos do carinho que soube dar aos filhos e aos netos.
À sua maneira, João Pedro é um homem feliz. Aguarda tão só, com tranquilidade, o fim da caminhada, iniciada há cerca de oitenta anos.




ESTORIL, LOCAL DE EXÍLIO


Terra com clima ameno,
Areia beijada pelo mar,
Povo triste mas sereno,
Muitas vidas a recuperar
(A Terra Prometida na mente
E o Atlântico mesmo em frente).
Porto de abrigo de celebridades
Que aqui encontram a paz.
Pessoas de todas as idades
Que fogem de recordações más.
Um oásis de tranquilidade
Atrai muitos exilados
Que, ao bulício da cidade,
Preferem locais sossegados.

Entretanto, nós por cá nem todos bem.
Havia miséria e a vida era muito dura!
O Povo sonhava também…
…Mas com o fim da ditadura.
O escritor Saint-Exupéry
«Paraíso triste» nos chamou:
- Os portugueses comiam aqui
O pão que o diabo amassou.

Mudam-se os tempos, muda a realidade.
Foi dado o seu a seu dono:
- Portugal recuperou a liberdade
E um Rei recuperou o seu trono.
 

SÃO JOÃO (quadras) 



Com muita sardinha a assar
Vinho a escorrer do barril,
Comemos olhando o mar
Em São João do Estoril.

São João para sonhar
Cá deste lado da Serra:
De dia, banhos no mar
À noite, festas em terra

Sem comentários:

Arquivo do blogue

Acerca de mim

A minha foto
- Lisboa, Portugal
Aposentado da Aviação Comercial, gosto de escrever nas horas livres que - agora - são muitas mais...