quinta-feira, 17 de março de 2005

A REDE DO DITADOR por Nuno Pacheco
Editorial do «Público» de hoje


A investigação é antiga e o escândalo rebentou em 2004: o Senado dos Estados Unidos revelou que Augusto Pinochet, ex-ditador chileno, tinha várias contas suspeitas no banco Riggs, abertas em nome próprio ou de familiares, através das quais movimentou somas vultuosas entre os EUA, Espanha, Reino Unido e Chile. Criou, além disso, através delas, sociedades fictícias nas Bahamas destinadas à "lavagem" de vários milhões de dólares.
Ontem, a investigação norte-americana deu mais um passo e descobriu que Pinochet possuía uma rede tentacular de contas bancárias (125), pessoais ou familiares, em várias instituições bancárias internacionais, incluindo um banco português sediado na Florida. Independentemente dos trâmites legais daqui decorrentes, o escândalo das "contas-fantasma" de Pinochet, usadas para escoar do Chile, indevidamente, divisas nacionais subtraídas a um povo submetido a uma ditadura férrea de 17 anos (de 1973, num fatídico 11 de Setembro, até 1980), tem de ter uma leitura não só política como moral. Pinochet, em resposta aos vários processos de que tem sido alvo por atentar contra os direitos humanos e contra a vida de numerosos adversários políticos durante a ditadura militar (o juiz Baltazar Garzón chegou a mantê-lo sob custódia, naquele que terá sido o maior susto da sua vida pós-ditadura), tem alegado, em sua defesa, a necessidade de defesa da pátria contra a ameaça comunista, brandindo uma espécie de escudo moral indeclinável. Ele tinha uma causa e por ela matou, mas salvou o país. Essa tem sido a mensagem. Nos 25 anos do golpe, ele chegou mesmo a dizer, na televisão: "Missão cumprida." Pois bem, esse escudo moral, essa máscara ideológica, caiu. Pinochet, além de implicado em assassinatos políticos a coberto do regime que instaurou, era também um delinquente. Outro nome não terá o desvio ilícito de muitos milhões de dólares desse tal país que alegava pretender salvar. O dinheiro não foi desviado durante o regime de Allende, que ele derrubou com inusitada violência. Se o fosse, poderia alegar que tencionava criar no estrangeiro uma frente anticomunista e que esta necessitaria de fundos. Não, foi desviado ao mesmo tempo em que eram encarcerados, torturados e mortos os seus opositores políticos, gente já indefesa perante a implacável força dos carrascos e das baionetas.
Pinochet pode, como já fez, como tem feito ao longo dos últimos anos, escapar à justiça sob alegações de velhice, achaques ou até demência não comprovada. Mas não escapará ao juízo moral dos que, postos agora perante a revelação de tão vis traficâncias, verão nele, por detrás da figura de um ditador militar ou um vitorioso paladino anticomunista (conforme os pontos de vista, evidentemente), a sombra de um criminoso de delito comum que, além do mais, conseguiu acumular tal vileza com a capacidade de mandar matar e torturar os seus semelhantes sem um mínimo de arrependimento. Até hoje.

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