terça-feira, 11 de dezembro de 2007

O PARTO
 
Casámos novos. Ela com 19 e eu com 20 anos de idade. Lua-de-mel, viagens, mobílias na casa alugada, prestações da casa própria e o primeiro bebé. Anos oitenta e a moda era ter uma máquina de filmar do Paraguai.
Sempre tinha um vizinho ou amigo contrabandista disposto a trazer aquela “muambazinha” por um preço módico. Ela tinha vergonha, mas eu desejava eternizar aquele momento.
Invadi a sala de parto com a máquina ao ombro e chorei enquanto filmava o parto do meu primeiro filho. Todo o mundo que chegava lá a casa era obrigado a assistir ao filme. Perdi a conta das cópias que fiz do parto e distribuí entre amigos, parentes e parentes dos amigos. Meu filho e minha esposa eram os meus orgulhos. Três anos depois, novo parto, nova filmagem, nova crise de choro.
Como ela categoricamente disse que não queria que eu filmasse, invadi a sala de parto mais uma vez com a máquina ao ombro. As pessoas que me conhecem sabem que havia apenas amor de pai e marido naquele acto.
O facto de fazer diversas cópias da fita era apenas uma demonstração de meu orgulho.
Nada que se comparasse ao facto de ela, esta semana, ter invadido a sala do urologista, máquina ao ombro, filmando o meu exame da próstata. Eu ali, com as pernas naquelas malditas perneiras, o cara com um dedo (ele jura que era só um!) quase na minha garganta e a minha mulher gritando:
- Ah! Doutoor! Que maravilha! Vou fazer duas mil cópias desta fita! Na semana que vem envio uma para o senhor!Meus olhos saindo da órbita a fuzilaram, mas a dor era tanta que não conseguia falar. O miserável do médico girou o dedo e eu vi o tecto a dois centímetros do meu nariz. A mulher continuou a gritar, como um director de cinema:
- Isso, doutor! Agora gire de novo, mais devagar. Vou dar um close
agora. Alcancei um sapato no chão e joguei na maldita.
Agora, estou escrevendo este e-mail, pedindo aos amigos que receberem uma cópia do filme, que o enviem de volta para mim. Eu pago o reembolso.

Luís Fernando Veríssimo

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